Com nota 920 na redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), a estudante de Santaluz, Franciele de Oliveira Santana Souza, 18 anos, quer buscar uma vaga no ensino superior. Com tema sobre intolerância religiosa, mais de 84 mil estudantes ficaram com nota zero. Em todo o país, apenas 78 pessoas alcançaram a nota máxima, faltou pouco para a jovem luzense conseguir o feito.

Franciele estudou o Ensino Fundamental integralmente em instituições públicas, e o Médio no Colégio Estadual José Leitão.  A jovem participou do exame pela quarta vez.

“Optei por realizar o Enem desde o primeiro ano do Ensino Médio, com o intuito de no primeiro contato com o exame, identificar suas peculiaridades, o mecanismo de funcionamento e o método de avaliação. Sem dúvidas essa foi uma decisão que me rendeu uma significativa experiência acerca da prova como um todo. Com a última realização do exame, totalizo 4 edições’’, disse.

Apesar do bom resultado obtido, Franciele ficou surpresa com o tema, ela não cogitava que intolerância religiosa fosse a proposta da redação, apesar de se identificar com a temática.

“Numa primeira instância fiquei surpresa com o tema da redação em si, apesar de ter sido cogitado, não era uma das propostas que eu considerava, justamente por ser um assunto que volta e meia insere-se em algum tipo de notícia ligeiramente polêmica. Apesar da surpresa e de ter dito certa dificuldade em selecionar pontos que mereciam um maior destaque para que a redação não ficasse extensa e se mantivesse dentro do padrão exigido, posso afirmar que me identifiquei com a proposta e acredito que tenha conseguido representar aquilo que idealizei no momento”, ressaltou.

''Quando vi a nota senti uma grande emoção''

“Lembro que faltava pouco tempo para o término da prova e eu ainda não havia escrito a conclusão mesmo tendo um rascunho já preparado, e na hora com receio de não dar tempo, escrevi o desfecho já na folha oficial, corri riscos, mas valeu a pena. E sim, quando vi a nota senti uma grande emoção”, comemorou.

Apreciadora da leitura como um todo, seja ela desfrutada em livros, revistas, exemplares on-line e jornais para se manter sempre atualizada de temas cotidianos, – a jovem disse que, nos momentos de distração costuma ler clássicos da literatura nacional e internacional.

“No cotidiano, procuro me distrair com títulos mais leves, mas procuro ter sempre ao alcance os clássicos de Clarice Lispector, Lima Barreto, Machado de Assis e Jorge Amado. Procuro me manter atualizada acerca das principais notícias e o que me ajuda muito é o hábito de escrever cotidianamente, o que me faz ter facilidade na hora de selecionar as palavras que se encaixam e representam o meu pensamento sobre o assunto em questão”, ressaltou.

(Foto: Vem Ver Cidade)

Preocupada com questões socioambientais, principalmente dos problemas ligados entre o homem e a natureza, a jovem sonha em se tornar Engenheira Ambiental.

“Me identifiquei bastante com o ramo da Engenharia Ambiental, justamente por estar voltado a práticas que procuram garantir o desenvolvimento sustentável tão necessário, relacionando as esferas ecológica, social, tecnológica e econômica do meio ambiente", confessou. 

O ato de elaborar e desenvolver técnicas de prevenção e preservação da natureza é em si um ato de humanidade desses profissionais. É a demonstração de que se preocupam com o nosso planeta e o que ele terá a oferecer para as gerações futuras, e essa também é a minha preocupação. Acredito que o que me chamou a atenção foi perceber que dentro dessa profissão há o exercício dos princípios éticos que aprendemos desde a infância, vinculando-se ao progresso, ao respeito pelo planeta e ao bem estar da coletividade, além de me considerar entusiasta e amante da natureza. Costuma-se afirmar que uma forte habilidade em ciências exatas e grande consciência ecológica são características fundamentais de um bom engenheiro ambiental, bom, a segunda já tenho, a primeira vou procurar adquirir com o tempo, esforço, estudo e dedicação”, concluiu.

Ao Vem Ver Cidade, Franciele cedeu a transcrição literal, sem edições, da redação que lhe garantiu 920 pontos. Veja abaixo:

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Diferenças não excluem, agregam 

Acontecimentos recentes e contínuos demonstram de modo escancarado que o que se diferencia de um padrão pré-estabelecido é protagonista, na melhor das hipóteses, de um sentimento de repugnância nutrido pelos que se consideram superiores dentro de uma hierarquia imaginária. Não há dúvidas de que a liberdade caracteriza-se como um direito fundamental e inerente à condição humana desde que não se cometa atos que infrinjam as normas da lei. No entanto, o fortalecimento da ideia de que a minoria fere o bom convívio dentro de uma sociedade torna qualquer ideal de igualdade e liberdade uma mera utopia. É nesse contexto que encontramos a existência da chamada intolerância religiosa.

O livre-arbítrio no que concerne ao direito de escolha de uma vertente religiosa, seja esta qual for, é uma das garantias que assegura que o homem na sua integridade e discernimento é capaz de selecionar aquilo que é bom para si e o modo como pretende exercer a sua crença, desde que não prejudique o espaço do outro. O impasse é que respeito e compreensão são princípios básicos que deixaram de nortear há muito o comportamento humano.  

Na teoria somos uma nação laica constituída por ramificações ímpares e por isso deveríamos prezar pelo sincretismo, uma vez que o fundamento do conceito de religião relaciona-se ao ato de reunir aqueles que partilham de pensamentos e interesses comuns em prol do exercício da fé de modo saudável e inviolável, justamente porque não se caracteriza como uma disputa entre dogmas a fim de provar que determinadas crenças merecem mais valorização em detrimento de outras.

O ser humano evoluiu em diversos aspectos que merecem os devidos aplausos e reconhecimento, todavia, deixa a desejar no que se refere à manutenção de uma real dignidade, ao passo que cada vez mais há propagação de ideais preconceituosos que agridem a vida. Cabe ressaltar que em virtude de um passado não tão distante manchado pela crueldade evidente entre semelhantes, os cultos afro-brasileiros são as principais vítimas de um comportamento que segrega, contrariando explicitamente o ideal de religião.  

Diante de tudo o que foi considerado acima, é necessário que haja a disseminação correta do respeito mútuo, através de políticas que discutam o entendimento relacionado às culturas existentes que são caracterizadas por suas diferenças. Diferenças essas fundamentais para o convívio em sociedade. É preciso que as instituições de ensino não se limitem apenas a transpor conhecimentos sobre aquilo que lhes convém. Desde cedo, no berço familiar, é essencial que sejamos preparados para o exercício da cidadania, em cada um dos seus aspectos.

Franciele de Oliveira Santana Souza – Enem 2016.