Como a Inteligência Artificial já está mudando salas de aula no Brasil e no mundo

vemvercidade 27 Ago, 2017 12:40 - Atualizado em 27 Ago, 2017 12:49 Da BBC-Brasil
Alunos do Centro Educacional Sesi 415; boa rede de internet é essencial para utilização de tecnologias de IA
BBC BRASIL Alunos do Centro Educacional Sesi 415; boa rede de internet é essencial para utilização de tecnologias de IA

Quando o estudante Anderson dos Santos Andrade, 16, faz o login na plataforma virtual da escola, tem diante de si seu plano de estudos: faltam seis vídeos de biologia para assistir e, depois, completar os exercícios online. Um dos questionários vem com a hashtag #cainaprova, então Anderson sabe que aquele conteúdo ajudará a garantir pontos na nota do bimestre.

A interface mostra também que ele já completou - e acertou - as dez questões de funções trigonométricas da aula mais recente de matemática.

Aluno do 2º ano do ensino médio do Centro Educacional Sesi 415, em Artur Alvim, zona leste de São Paulo, ele e seus 995 colegas de escola usam a plataforma virtual para fazer as atividades indicadas pelos professores, acompanhar o próprio desempenho em cada matéria e classificar os conteúdos pelo seu grau de dificuldade: de "tô de boa" a "não estou entendendo nada".

À medida que Anderson completa as atividades, o sistema identifica, via algoritmos, o quanto ele entendeu de cada matéria - e indica quais aulas deve assistir para sanar suas dúvidas.

Na outra ponta, os professores do Sesi 415 medem o aprendizado de cada aluno e cada turma, passam aulas complementares e fazem a correção automática dos exercícios.

A experiência da escola paulistana é um exemplo de como a Inteligência Artificial pode ser aplicada na educação - uma tendência mundial ainda repleta de desafios e oportunidades.

"Conforme os alunos usam a ferramenta, assistem às aulas e respondem as questões, recebemos os dados e os comparamos a modelos, para entender o que eles aprenderam e quais suas dificuldades", explica à BBC Brasil Leonardo Carvalho, cofundador da Geekie, empresa que é a provedora da plataforma usada pelo Sesi.

Em uma aula de História do Brasil, por exemplo, o professor pode selecionar online as questões que quer desenvolver em classe; pede aos alunos que assistam aos vídeos para se prepararem para a aula e, depois dela, completem os exercícios também via internet.

O professor e seus coordenadores recebem, depois, gráficos indicando o nível de entendimento da turma: qual porcentagem completou os exercícios corretamente e quais foram as principais falhas.

"A Inteligência Artificial no fundo é um conjunto de ferramentas estatísticas que cria mais conhecimento quanto mais os alunos (a utilizarem)", prossegue Carvalho.

"Em uma sala com 50 alunos, o professor não consegue ver (a dúvida exata) de cada um. O programa faz isso de modo escalonado."

O Geekie fornece o sistema atualmente para 600 escolas privadas brasileiras, além da rede Sesi e para algumas escolas públicas, via patrocínio de empresas. A empresa também ofereceu, na rede pública, um game de simulado do Enem, para ajudar os alunos a identificar suas lacunas de aprendizado para o exame vestibular.

"Para essa nova geração, que não tem a cultura da paciência, é útil ver seus resultados rapidamente e saber o que precisa corrigir (no aprendizado)", explica Ana Maria Machado Tonon, diretora do Sesi 415.

"E para nós (professores) é um termômetro sobre o que precisa ser aprimorado ou corrigido no conteúdo, sobre quais alunos fizeram ou não os exercícios. Antes, a gente gastava muito tempo tentando identificar o que estava indo errado."

Experimentos globais

Ao redor do mundo, diferentes projetos estão aplicando a tecnologia e a Inteligência Artificial em busca de avanços no processo de aprendizado.

Na Califórnia, a AltSchool também usa uma plataforma adaptada de ensino para cada aluno, que tem sua "playlist" de vídeos, textos e exames elaborada conforme suas preferências e suas deficiências de ensino.

Na Índia, o programa Mindspark criou um banco de dados ao longo de dez anos, a partir de milhões de avaliações educacionais, para ajudar professores a identificar com precisão - em vez de pela intuição - quais são as necessidades dos alunos.

E, no Reino Unido, a empresa Third Space Learning, em parceria com a Universidade College London, tenta melhorar o aprendizado da matemática com uma tutoria virtual adaptada para cada criança, com base na análise de milhares de horas de aulas prévias.

De softwares inovadores a tablets, muito se tentou em termos de tecnologia em sala de aula, nem sempre com impactos significativos no aprendizado. Agora, com o avanço da Inteligência Artificial, é possível motivar alunos - sobretudo os que têm mais dificuldades - desde que as ferramentas não sirvam de muleta (ou seja, ensinem a criança a andar com as próprias pernas) e desde que não sejam usadas de modo aleatório, diz à BBC Brasil a professora Rose Luckin, que pesquisa o tema na College London e acompanha o Third Space Learning.

"O mais importante é identificar bem qual o problema que a escola está tentando resolver com a tecnologia, e daí usar a Inteligência Artificial no que ela é útil e manter o (ensino) humano no que ele é útil", explica ela.

Computadores, explica ela, são eficazes em analisar dados e identificar padrões - por exemplo, de erros e acertos dos alunos. "Mas não são bons, por exemplo, em entender emoções ou replicar o intelecto e o instinto de um bom professor."

Essa acaba sendo uma questão crucial: segundo Luckin, o ideal é que a tecnologia não substitua o professor, mas sim ajude-o a aperfeiçoar e otimizar suas aulas.

"Pode ser que no futuro haja pressão comercial para substituí-los, mas acho que esse caminho seria equivocado. O ideal é combinar interação humana à tecnológica (na sala de aula)."

No Brasil, o Geekie explica que um dos desafios iniciais foi justamente convencer os professores de que a plataforma não tem a intenção de tomar o lugar do docente.

"É para ajudar o professor e ser um facilitador do aprendizado, que é impossível de ser mecanizado", diz Leonardo Carvalho. "A ideia é dar mais ferramentas para auxiliar a parte que só o professor consegue fazer."