\"Fui pego de surpresa\", diz Ministro do Meio Ambiente em entrevista sobre Amazônia

vemvercidade 31 Ago, 2017 12:48 - Atualizado em 31 Ago, 2017 13:01 Do Valor
\"O ideal era que o governo simplesmente revogasse o decreto, já que acho que não vai ter função prática\", diz o ministro
Reprodução \"O ideal era que o governo simplesmente revogasse o decreto, já que acho que não vai ter função prática\", diz o ministro

A Lei Geral do Licenciamento pode ser aprovada em poucos dias, no Congresso, a partir de um acordo político entre o Ministério do Meio Ambiente, o agronegócio, a indústria e, dentro do governo, a Casa Civil, que representa os interesses dos ministérios dos Transportes e da Energia. Esta é a expectativa do ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho, que diz ser porta-voz do governo Michel Temer no assunto. "O texto não é o ideal, mas foi o acordo possível", disse em entrevista ao Valor. "A Casa Civil respeitará o que sair daqui. Esta é a decisão do presidente." Sarney Filho diz acreditar que o decreto que extingue a Reserva Nacional de Cobre e Associados (Renca) só terá 20% de área passível de mineração. 

A mais recente polêmica ambiental do país, segundo o ministro, foi um erro de transparência, de comunicação e de origem. O Ministério do Meio Ambiente (MMA) foi consultado em junho, se opôs em parecer técnico, mas depois não foi mais chamado a opinar. "Fui pego de surpresa", disse. "Pessoalmente acho que o decreto deveria ser revogado." O ministro, no entanto, defende a redução de área da Floresta Nacional de Jamanxim, no Pará, outra ação controversa. Diz que é a unidade de conservação mais desmatada do país, que foi criada pensando na preservação, mas que o modelo coloca no mesmo balaio proprietários de boa fé e grileiros. A proposta do governo, no Congresso, está ameaçada por uma série de emendas que podem cortar até um milhão de hectares, segundo algumas estimativas. Se passar no Congresso, ele pedirá veto e, depois, apoiará medidas jurídicas.

Sarney Filho: "O governo anunciou um decreto sem ouvir o MMA em questões sobre uma intervenção na floresta amazônica"

 Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: Uma nota técnica do MMA, de junho, contradiz a narrativa do governo de que a área da Renca seria um inferno verde com garimpo ilegal. Os técnicos dizem que o grau de preservação é bastante alto e a área desmatada é apenas 1,1% do total, além da sobreposição com terras indígenas e áreas protegidas. Como o senhor vê a contradição entre a nota e o discurso?

José Sarney Filho: Acho que o governo falhou e se equivocou em ter feito o decreto. Fomos ouvidos em junho. Nosso parecer foi contra com termos bem claros. No dia seguinte em que o Imazon [Instituto do Homem e do Meio Ambiente] anunciou que o desmatamento, que vinha em alta havia cinco anos, caiu 21%, ou seja, a reversão da curva, o governo anuncia um decreto sem ter ouvido o MMA em questões que resultam de uma intervenção na floresta amazônica. 

Valor: O MMA não foi consultado?

Sarney Filho: Teve uma consulta formal, respondemos negativamente e depois não fui avisado de nada. Fui pego de surpresa. Minha preocupação primeira é o sinal que estaríamos passando para a região. A versão que ficou patente, predominou e é muito perigosa é a de que o governo estaria entregando parte da Amazônia para a atividade minerária. E isso poderia colocar por água abaixo toda a nossa política na Amazônia. Estivemos em todos os Estados, falamos com governadores, fizemos parcerias com municípios, sociedade civil, Poder Judiciário. Retomamos o controle do Estado na região amazônica, com todas as dificuldades. Então, nesse momento, em que temos uma notícia positiva, dada por uma ONG respeitada, vem um decreto que não vai resultar objetivamente em nada.

Valor: O que o sr. quer dizer?

Sarney Filho: Que não vai ter atividade minerária. Depois do segundo decreto, deixa-se bem clara a impossibilidade de se fazer mineração nas unidades de conservação e terras indígenas que estão lá. 

Valor: Mas já há leis que impedem mineração nessas áreas. 

Sarney Filho: Sim, está dentro do Snuc [Sistema Nacional de Unidades de Conservação]. O que quisemos foi deixar claro que aquela região não estava sendo entregue à atividade minerária. Era preciso que se frisasse isso no decreto. Embora o ideal, no meu ponto de vista, era que o governo simplesmente revogasse o decreto, já que acho que ele não vai ter função prática. Nenhuma grande mineradora vai querer investir em uma região que está sub judice. 

Valor: O sr. acha que não vai dar em nada?

Sarney Filho: Com as ressalvas que já existiam e foram clarificadas, menos de 20% da área é passível de mineração. 

Valor: Então a área serve para quem? Abriu para quem? E por que agora?

Sarney Filho: É bom perguntar no setor de Minas e Energia por que foi feito dessa forma. Eu não entendi. E é possível que o Congresso faça um projeto de decreto legislativo sustando os efeitos do decreto. E já tem vários pedidos, além de haver a via judicial. 

Valor: Há críticas de que faltou transparência e de que a comunicação foi atrapalhada.

Sarney Filho: Acho que sim. Na medida em que mexer em uma parte grande da Amazônia é feito sem ouvir o Ministério do Meio Ambiente, no dia seguinte em que se anuncia a queda do desmatamento, é porque houve falta de comunicação interna do governo. Quero acrescentar que estou destinando recursos específicos para fiscalização daquela região, como fiz em Jamanxim, onde o desmatamento caiu em 60%.

Valor: Sobre a Floresta Nacional do Jamanxim, existiu a medida provisória, que foi vetada, mas há um novo projeto de lei. É outro caso confuso.

Sarney Filho: A Flona do Jamanxim foi criada em um mosaico de unidades de conservação (UCs) para preservar a área da BR-163. A intenção foi a melhor possível, era o que se pensava na época, que seria o correto para proteger a Amazônia de uma estrada asfaltada e do efeito do desmatamento. Só que, da maneira como foi feita, sem discussão com a sociedade local, se incorporaram propriedades que já estavam produzindo dentro da legalidade. Quando se criou a UC sem regularização fundiária adequada, colocaram-se no mesmo balaio os proprietários de boa-fé e os grileiros. E ficou uma terra de ninguém, o pior dos mundos. Quando cheguei ao ministério havia uma discussão sobre o aumento do desmatamento ali. O ICMbio dizia que o ideal seria que se afastasse um pouco o limite da Flona para fazer a regularização fundiária com todas as precauções legais de que não se iria beneficiar grileiro. Temos todo o levantamento.

Valor: Mas não deu certo. Quando chegou ao Congresso...

Sarney Filho: O problema é que, se o Congresso acatasse a proposta que é oriunda de um parecer técnico do ICMbio... É até má-fé pensar que técnicos do ICMbio, que são dedicados e compromissados com a sustentabilidade, que fariam um parecer que iria flexibilizar qualquer tipo de desmatamento na Amazônia. Não procede. A mudança era para diminuir o desmatamento ali. Reconheço que foi um erro meu de avaliação ter feito essa proposta técnica através de medida provisória. Deveria ter sido por projeto de lei. A MP foi descaracterizada e vetada na íntegra.

Valor: Mas agora tudo se repete.

Sarney Filho: Agora, mandamos um projeto de lei também com parecer técnico, com termos mais rigorosos e que nos dão tranquilidade de que não vai haver desmatamento nem anistia a quem desmatou ilegalmente. Mas está sendo novamente descaracterizado no Congresso.