Mineradoras canadenses souberam de extinção de reserva na Amazônia 5 meses antes do anúncio oficial

vemvercidade 26 Ago, 2017 17:35 - Atualizado em 26 Ago, 2017 17:41 BBC
Governo federal reabriu a área na Amazônia para a exploração mineral
AFP Governo federal reabriu a área na Amazônia para a exploração mineral https://ichef.bbci.co.uk/news/660/cpsprodpb/6A39/production/_97539172_amazoniaafp.jpg

Publicada no Diário Oficial da última quinta-feira sem alarde, o decreto que determina a extinção da Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca), na Amazônia, surpreendeu muita gente e ganhou manchetes alarmadas no Brasil e nos principais jornais do mundo.

Não foi o que ocorreu com investidores e empresas de mineração canadenses. Em março, cinco meses antes do anúncio oficial do governo, o ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, anunciou a empresários do país que a área de preservação amazônica seria extinta, e que sua exploração seria leiloada entre empresas privadas.

O fim da Renca foi apresentado pelo governo Temer durante um evento aberto em Toronto, o Prospectors and Developers Association of Canada (PDAC), junto a um pacote de medidas de reformulação do setor mineral brasileiro, que inclui a criação de Agência Nacional de Mineração e outras iniciativas para estimular o setor.

Pouco depois do encontro, em abril, o ministério de Minas e Energia publicou no Diário Oficial uma portaria – que passou despercebida pelo público em geral – pavimentando o caminho para o decreto que seria assinado alguns meses depois e dispondo sobre títulos minerários dentro da Renca.

Conexão canadense

Segundo a pasta, esta foi a primeira vez em 15 anos em que um ministro de Minas e Energia brasileiro participava do evento, descrito pelo governo brasileiro como uma oportunidade para "abordar o aprimoramento na legislação brasileira e também demonstrar os planos do governo para incentivar o investimento estrangeiro no setor". De outro lado, movimentos sociais, ambientalistas e centros de pesquisa dizem que não haviam sido informados sobre a extinção da Renca até o anúncio da última quinta-feira.

O Canadá é um importante explorador de recursos minerais no Brasil e vem ampliando este interesse desde o início do ano. Hoje, aproximadamente 30 empresas do país já exploram minérios em território brasileiro - especialmente o ouro, que teria atraído garimpeiros à área da Renca nos últimos anos.

Em junho, dois meses antes da extinção oficial da reserva amazônica, a Câmara de Comércio Brasil-Canadá anunciou uma nova Comissão de Mineração, específica para negócios no Brasil, que reúne representantes destas 30 empresas.

Image captionDecisão do governo sobre a Renca foi publicada no Diário Oficial sem alarde

Misk também afirma que a ocupação da região por empresas de mineração deve inibir a presença de garimpeiros, cuja atuação irregular na região já resulta em contaminação de rios por mercúrio.

Presidente da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa Mineral (ABPM), o geólogo Luiz Azevedo também esteve em Toronto e concorda.

"Dizer que o governo está abrindo para o desmatamento é ridículo, é coisa de quem não conhece o assunto", diz.

"Eu não me atrevo a falar sobre música. Fico impressionado como os artistas agora se atrevem a falar sobre mineração e sobre unidades de conservação", diz, citando a modelo Gisele Bündchen, que criticou o anúncio em suas redes sociais.

Sobre o anúncio antecipado da extinção da área de preservação na Amazônia, Azevedo diz que o ministro divulgou que "uma área muito grande que seria liberada para pesquisa mineral".

"Foi dito pelo ministro como parte de um pacote de medidas visando mostrar ao investidor que a ideia da Dilma de estatizante tinha acabado."

"O que eles querem são novas áreas para se pesquisar e novas possibilidades. Ninguém pode julgar o Canadá. Eles têm uma mentalidade mais cosmopolita, 70% da população é de imigrantes, então eles pensam nos outros. É um interesse legitimo", avalia.


Image caption Extinção de reserva na Amazônia pegou ambientalistas e centros de pesquisa brasileiros de surpresa


'Soubemos pela imprensa'

Professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, o geógrafo Luiz Jardim pesquisa a relação entre empresas de mineração canadenses e o governo brasileiro.

Ele explica que o evento de março em Toronto, quando o fim da Renca foi anunciado pelo ministro, era formado essencialmente por empresas menores especializadas em pesquisa mineral e investimentos de risco.

"Há um padrão nessas empresas, chamadas 'juniors'. Elas vêm, fazem as pesquisas e ao longo desse tempo publicam resultados em relatórios na bolsa de valores em Toronto, indicando o que eles encontraram. Esses relatórios fazem elas ganharem valor de mercado. Achando uma jazida significativa, a empresa pede uma licença ambiental e ganha ainda mais valor. Com a licença em mãos, elas anunciam na Bolsa novamente que estão perto do inicio do projeto. Num período de baixa no mercado, como agora, elas costumam vender a operação ou a mina para uma empresa maior interessada e assim fazem seus investidores lucrarem", explica.

Jardim descorda da tese de que grandes mineradoras podem inibir o garimpo ilegal na região.

"A experiência no rio Tapajós, no Pará, mostra o contrário. O garimpeiro esta interessado em minas superficiais, a mineradora chega a veios mais profundos. Eles coexistem e a exploração formal pode até incentivar a vinda de mais garimpeiros."


Image captionCoelho Filho diz que extinção de reserva não terá impactos ambientais

Segundo o engenheiro Bruno Milanez, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora e membro do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração, que reúne 110 ongs, sindicatos e movimentos sociais, não houve qualquer comunicado sobre a Renca para pesquisadores da área ou comunidades – diferente do que ocorreu com os empresários.

"Tudo o que acompanhamos foi pela imprensa", diz.

Sobre esta aproximação entre governo e empresários, Milanez afirma que o movimento é "parte de um processo histórico, que vem se aprofundando" no governo Temer.

"Isso é reflexo de uma ocupação maior de pessoas do setor corporativo no governo. Hoje, o primeiro escalão da mineração no governo é formado por pessoas que ocuparam cargos de diretorias em empresas", diz.

"Mas eles estão no governo temporariamente por cargos de confiança, e quando saírem vão voltar a assumir posições em empresas. Eles têm um lado nessa história."