A Psicóloga e Especialista em Saúde Mental Merioldes Silva fala sobre o dia Nacional da Luta Antimanicomial

vemvercidade 18 Mai, 2016 12:37 - Atualizado em 19 Mai, 2016 01:02

O dia da luta antimanicomial surge após profissionais de saúde mental, cansados do tratamento desumano e cruel dado a usuários do sistema de saúde mental, organizarem o primeiro manifesto público a favor da extinção dos manicômios.

A Psicóloga e Especialista em Saúde Mental Merioldes Silva ressalta a importância de cada um fazer à sua parte, para acabarmos com o preconceito e a discriminação que existe com o portador de sofrimento psíquico, e faz um breve histórico da Luta Antimanicomial:

A I Conferência Nacional de Saúde Mental (I CNSM), aconteceu na década de 80 onde houveram vários encontros e onde se discutia a priorização de investimentos nos serviços extra-hospitalares e multiprofissionais como oposição à tendência hospitalocêntrica. Nestes encontros, se discutia o modelo de manicômio como “depósitos de loucos”, de fora, parecia uma prisão, por dentro, também. Eles, “os loucos”, não tinham vez e nem voz, andavam descalços, cabeça raspada, nus, dormiam em dormitórios sem janelas e todo o prédio cercado de grades. Não tinham autonomia e nem cidadania. Acordavam em um mesmo horário as cinco da manhã na maioria das vezes, tomavam banho frio, no inverno muitos morriam de frio, fome e maltratos de todas maneiras.

Só no final de 1987 realiza-se o II Congresso Nacional do MSTM em Bauru, no qual se concretiza o Movimento de Luta Antimanicomial e é construído o lema por uma sociedade sem manicômios. Nesse congresso amplia-se o sentido político-conceitual acerca do antimanicomial. Enfim, a nova etapa (...) consolidada no Congresso de Bauru, repercutiu em muitos âmbitos: no modelo assistencial, na ação cultural e na ação jurídico-política. No âmbito do modelo assistencial, esta trajetória é marcada pelo surgimento de novas modalidades de atenção, que passaram a representar uma alternativa real ao modelo psiquiátrico tradicional.(Amarante, 1995:82).

Nesta trajetória é construído o Projeto de Lei 3.657/89 , conhecido como Lei Paulo Delgado, que contém três pontos: detém a oferta de leitos manicomiais financiados com dinheiro público, redireciona os investimentos para outros dispositivos assistenciais não-manicomiais e torna obrigatória a comunicação oficial de internações feitas contra a vontade do paciente oferecendo: (...) pela primeira vez um instrumento legal de defesa dos direitos civis dos pacientes.(Bezerra, 1992: 36) No campo da assistência, a Portaria nº 224, de 29 de janeiro de 1992 do Ministério da Saúde estabelece as diretrizes para o atendimento nos serviços de saúde mental, normatizando vários serviços substitutivos como: atendimento ambulatorial com serviços de saúde mental (unidade básica, centro de saúde e ambulatório), Centros e Núcleos de atenção psicossocial (CAPS/NAPS), Hospital-Dia (HD), Serviço de urgência psiquiátrica em hospital-geral, leito psiquiátrico em hospital-geral, além de definir padrões mínimos para o atendimento nos hospitais psiquiátricos, até que sejam totalmente superados."


Relato de um paciente do CAPS: “Doutora, eu comecei tomando drogas pesadas, cocaína, álcool, crack e para alimentar meu vício eu roubava, fui preso várias vezes em São Paulo e depois comecei a ter surtos psicóticos em decorrência do uso abusivo das drogas. Agora, estou aqui no CAPS preso novamente.” A psicóloga o corrige dizendo que no CAPS ele não esta preso já que pode ir e vir a sua vontade . Ai ele complementa: “ Estou preso sim, preso as medicações...” Ele tem consciência que desenvolveu esquizofrenia e que não poderá mais parar as medicações com o risco de voltar a ter surto. (Paciente do Caps R.S. R. de 36 anos).

Então, o papel do CAPS, é resgatar esta cidadania, dignidade, e autoestima dos seus usuários, para que eles possam ser inseridos na sociedade como cidadão de direito que efetivamente são. A loucura maior da nossa sociedade é enxergar qualquer cidadão com algum transtorno mental, como débil mental. Existe uma diferença muito grande entre um e outro. O primeiro conserva sua inteligência, discernimento e consciência de si, só perdendo estes parâmetros no momento do surto. O outro não tem condições de gerir sua vida. Então vamos respeitar todos, por que ninguém tem segurança nenhuma que em determinado momento da sua vida não irá desenvolver um sofrimento psíquico, um transtorno mental. Segundo a OMS, em 2020, a depressão será a doença que estará em primeiro lugar no ranque do adoecimento.