Aluna de colégio do sistema da PM relata ter sido impedida de entrar na instituição por causa de cabelo crespo: 'Mandou eu alisar’

vemvercidade 06 Abr, 2022 16:29 - Atualizado em 06 Abr, 2022 16:38

Uma aluna do Colégio Municipal Doutor João Paim, que é integrado ao sistema de colégios da Polícia Militar, relatou ter sido impedida de entrar na instituição por causa dos cabelos crespos. O funcionário que barrou o acesso dela é inspetor da unidade, que fica em São Sebastião do Passé, na Região Metropolitana de Salvador. As informações são da TV Bahia.


O caso aconteceu com Monique Tavares, no dia 21 de março. Ela chegou à escola com o cabelo preso em coque, mas sem estar envolvo na rede exigida para cobrir o penteado. A estudante conta que o inspetor não questionou a falta da rede, mas mandou ela alisar os cabelos.


“Cheguei lá com os alunos, como todo mundo, e quando chegou na minha vez ele disse: ‘Aluna, você não está adequada para este colégio’. Aí ele disse assim: ‘Seu cabelo está inchado e você precisa alisar mais ele’”.


Mesmo depois de ter sido mandada para casa pelo funcionário, Monique tentou modificar a identidade do próprio cabelo, com ajuda de uma amiga, para se encaixar ao padrão. A jovem relata que, mais uma vez, o inspetor repetiu que o cabelo crespo dela era o motivo pelo qual ela não entraria.


A cena aconteceu na porta da escola, na presença de outros estudantes e pais de alunos, que acompanharam tudo em silêncio. A caminho de casa, a estudante mandou áudio para mãe contando a situação e, pela primeira vez, se referiu ao próprio cabelo como algo ruim.


“Foi hoje, acertei o diabo do meu cabelo e disse que era para eu voltar, porque meu cabelo estava muito folgado, que eu não ia entrar no colégio não”, disse ela na gravação.

Aluna de colégio do sistema da PM relata ter sido impedida de entrar na instituição por causa de cabelo crespo. Foto: Reprodução/TV Bahia


A mãe de Monique, Jaciara Tavares, reforçou que a única falha da filha foi não usar a rede que cobre o coque, e que nada justifica a não aceitação de cabelo crespo, que é naturalmente mais volumoso mesmo quando preso. Para a mãe, a filha foi vítima de racismo praticado por um funcionário negro.


“Inclusive, ele também relatou que é negro. Eu falei: ‘infelizmente, nos dias de hoje, a gente sofre racismo de pessoas da nossa cor mesmo, é por não aceitar ser desse tom de pele, que querem expandir a raiva em cima de outras pessoas. É triste ver um negro falando do outro negro”, disse Jaciara.


Desde então, Monique tem frequentado as aulas, mas tendo que encher o cabelo de creme para tentar reduzir o volume.


“Sei que está sendo difícil para ela, então está sendo difícil para mim também. Nunca imaginei na minha vida passar por isso”, desabafou a mãe da estudante.


Defensoria Pública acompanha caso


O caso chegou à Defensoria Pública do Estado da Bahia (DPE-BA), que acompanha a situação, como explica a defensora Eva Rodrigues.


“Tão logo a gente tomou conhecimento da notícia, a Defensoria Pública procurou o colégio, solicitando informações sobre o caso, e pedindo também esclarecimentos sobre as condutas adotadas pela escola, quando acontecem casos de racismo na escola”, explicou Eva.


Neste ano, a DPE-BA criou o selo "escola antirracista". A instituição também lançou um livro com quatro contos e orientações aos pais, além de dicas e leitura. A defensora Larissa Rocha explicou que o objetivo é diminuir as práticas racistas no ambiente escolar.


“Esse ano, o foco da campanha é uma educação sem racismo. Infelizmente, a gente sabe que a escola é um ambiente que reproduz práticas, é uma instituição que está dentro de uma sociedade que é estruturalmente racista. Crianças e adolescentes negros sofrem racismo de maneira cotidiana, das mais diversas formas. Essa que a aconteceu São Sebastião do Passé é uma situação, muito provavelmente, de injúria racial. Porém, outras situações de racismo acontecem no ambiente escolar”.


Posicionamento da escola


A escola informou que, ao matricular os estudantes, pais e/ou responsáveis são orientados sobre as normas disciplinares da instituição, e que recebem cartilhas e cópias do regimento interno. Disse ainda que a escola segue o regimento padrão do Ensino Militar, que inclui regras disciplinares e normas sobre vestimentas, penteados, cortes de cabelo, fardamento, uso de calçados e outros itens.


Ainda em nota, a escola informou que a estudante foi orientada, por três dias consecutivos, sobre o penteado, e que lhe foi dado um prazo para que os ajustes fossem feitos, para atender ao padrão do colégio.

A escola não respondeu, no entanto, se tomará alguma medida com relação ao comportamento racista relatado pela estudante.