“É um desserviço ao país a candidatura do Lula”, comenta Ciro Gomes
Pré-candidato do PDT à presidência da República, o ex-governador do Ceará, Ciro Gomes, é enfático ao afirmar que a candidatura do ex-presidente Lula é “um desserviço” ao país e que a probabilidade do atual presidente Jair “Bolsonaro estar no segundo turno hoje é quase nenhuma”. Em entrevista exclusiva ao Jornal A Tarde, Ciro disse ainda que o presidente da República “é o responsável pelo excesso de mortes que nós estamos vivendo” hoje no Brasil e que “a população está cansando. Está enchendo o saco com tanta irresponsabilidade”. Confira:
O Brasil já ultrapassou a marca de 360 mil mortos. Acredita que o presidente Bolsonaro vai ser responsabilizado por isso na campanha?
Vai, sem nenhuma dúvida. Vai ser responsabilizado porque ficará muito flagrante. Veja, o Brasil hoje é 3% da população mundial. E temos mais de 25% das mortes do mundo. Ontem nós passamos os Estados Unidos na proporção de mortes por milhão. Ou seja, nós nos transformamos no centro da pandemia mundial. Já há mais de quatro variáveis de mutação da COVID como sintoma de que aqui o vírus está circulado de forma absolutamente livre, pela falta dos cuidados. E a comunidade internacional está toda vendo isso. De maneira que aquilo que já se viu na América do Norte, que claramente o Trump foi responsabilizado pelas loucuras, aqui também ficará ainda mais claro para a população brasileira que se Bolsonaro não é o responsável pela pandemia, e ninguém vai dizer que ele é, ele é o responsável pela absoluta incapacidade de enfrentar a pandemia e, portanto, Bolsonaro é responsável pelo excesso de mortes que nós estamos vivendo.
Como o senhor vê o novo auxílio emergencial do governo? Se fosse o presidente da República nesse momento, o que faria para garantir o benefício de R$600? Os cofres do Estado suportam?
Vamos raciocinar juntos. Essa é uma doença que não tem remédio. Então o Bolsonaro já comete o primeiro crime quando fica prescrevendo como um charlatão, isso é crime do Código Penal, remédios que não têm nenhuma retaguarda científica, como ele insiste em fazer até hoje. Então, não tendo remédio, como de fato não tem, só tem uma solução, a vacina. O Brasil foi, porque o Bolsonaro sequer respondeu o oficio da Pfizer em agosto do ano passado, não respondeu os ofícios do Butantan, nós passamos para o último lugar da fila na questão no mundo em vacinação. Portanto, se você não tem nem remédio para prevenir, nem vacinação para resolver, só resta uma saída para salvar vidas: é o isolamento social. E o isolamento social acaba com a atividade econômica. Portanto, o isolamento social tem que ser financiado pelo Governo, como foi no mundo inteiro. E o que faz o Bolsonaro? Propõe lá atrás um auxílio de R$200, que não seria suficiente. Nós fizemos uma grande briga no Congresso e conseguimos que fosse para R$600. E ele interrompe no auge da pandemia esse socorro, o que é responsável por esse repique da vacina. Porque, sem socorro emergencial, as pessoas têm, desesperadamente, que ir na rua para levar o bocado para comer. E aí explode de novo a pandemia. Ele ainda está atrasado e oferece agora um socorro de R$150, que é ¼ do valor de uma cesta básica. Isso é um crime. Eu, sendo presidente, faria o que eu mandei para ele numa carta em março do ano passado. Quando eu vi a pandemia, e comecei a estudar as potencialidades trágicas da pandemia, eu achei: essa é a hora de a gente suspender a briga, a disputa política e o antagonismo e é a hora de todo mundo dar as mãos para nos ajudarmos a atravessar essa tragédia. Eu mandei uma carta para ele sugerindo uma porção de coisas práticas e concretas que é o que eu faria. No caso do socorro emergencial, eu inclusive cheguei, não sendo o meu papel, eu cheguei a sugerir fonte de recurso. Como faço hoje. Se o Brasil cobrar uma contribuição dos grandes patrimônios, acima de R$10 milhões, dá para você pagar um auxilio de R$600 até você chegar a 60% de cobertura vacinal, que é o ponto em que a gente pode começar a descomprimir e entender que vencemos a pandemia.
Os economistas preveem o agravamento da crise financeira e o aumento do desemprego no país. Que pautas devem ser colocadas como prioridade agora pelo Governo e pelo Congresso?
Definitivamente não é essa pauta do Paulo Guedes. Nós precisamos pôr em debate uma política sólida de retomada do desenvolvimento brasileiro e identificar que esse desenvolvimento não vai vir desses equívocos ideológicos, ele vai ter que vir, desta vez, puxado, como as práticas do mundo inteiro estão mostrando, pelo incremento do investimento público. Que está absolutamente deprimido. Portanto, a tarefa para consertar isso é uma reforma fiscal que aumente a receita pública e que fortaleça o investimento em infraestrutura e em ganho de produtividade na economia brasileira. Basicamente, aquele investimento modular em construção civil, saneamento básico, moradia popular, enfim, todos esses que têm intensividade de mão de obra e que não importam insumos estrangeiros.
A eleição do Arthur Lira marca a chegada de um aliado do Planalto na Câmara. Como viu o alerta dado por ele, de ter acendido o sinal amarelo para o presidente Bolsonaro?
Olha, quem conhece a política brasileira por dentro, como eu, sabia que o Bolsonaro não comprou o Centrão. O Centrão que comprou o Bolsonaro. Se você viu, o Centrão estava com a Dilma até o último dia. Se você viu, o Centrão estava com o Collor até o último dia. O Centrão esteve no Governo Fernando Henrique, o Centrão esteve no Governo do Lula o tempo inteiro. O Valdemar Costa Neto, o Roberto Jefferson, todos eles eram membros do Governo do Lula. E isso vai acontecer de novo. O que é que eles fazem? Eles não têm compromisso com nada, com questão programática nenhuma. Bolsonaro traiu todos os compromissos centrais, que era a ideia de que não ia mais aceitar politicagem, que a velha política devia ser destruída, e agora virou refém dessa gente, e vai acontecer com ele o que aconteceu com os outros. O Centrão vai tirar tudo que puderem tirar do Bolsonaro, e depois deixar ele falando sozinho.
Como vê o novo tensionamento do presidente Bolsonaro com o Supremo?
O Bolsonaro é um cachorro desdentado. Sabe? Cachorro desdentado, quando é acuado, ele rosna, faz de conta que vai morder, mas na verdade é um frouxo e não morde ninguém. Então ele tem feito ciclicamente essa tentativa e produz um terror, dá um argumento para essa decrescente base amalucada dele, mas um dia uma parte importante da base dele vai embora, porque está vendo que o Bolsonaro, enfim, ao invés de ser solução, é um criador de problemas. O país numa hora como essa, uma tragédia social, econômica e de saúde pública que está, o país arrumando confusão. Numa semana com os militares, outra semana com o Supremo, outra semana com o governador de São Paulo, e a população está cansando. Está enchendo o saco com tanta irresponsabilidade.
Há espaço para aumentar a discussão sobre o impeachment ou falta apoio político e popular para isso?
Hoje você tem uma condição objetiva improvável para o impeachment, porque ele tem, organicamente, nessa aliança que ele fez, como eu disse, o Centrão o comprou, ele tem mais de 1/3. E isso é suficiente para você impedir que o impeachment aconteça, porque ele precisa de um quórum de 2/3. Entretanto, o sistema político precisa de um fusível, especialmente no presidencialismo, para evitar o curto-circuito. Então o que é que está acontecendo hoje? Há uma crescente percepção nas elites brasileiras que estiveram com ele na eleição, mas de que o Bolsonaro tem que ser contido. E aí a questão não é se o impeachment é viável, mas a propositura do impeachment talvez seja o último instrumento que nós possamos ter para forçar o Bolsonaro a criar juízo, a parar de fazer confusão, enfim, a cuidar das coisas da economia e da pandemia com o mínimo de responsabilidade. Nesse sentido, a mim não surpreenderá se mais cedo ou mais tarde um desses pedidos for autorizado.
O que fazer para impedir a polarização Lula e Bolsonaro e para que seja viabilizada uma terceira via competitiva?
Olha, construir um programa. A preço de hoje, todo mundo está achando que vai acontecer uma polarização, mas eu vou lhe antecipar aqui um palpite, porque é um mero palpite de quem tem muita experiencia: a probabilidade de o Bolsonaro estar no segundo turno é quase nenhuma hoje. Porque está claro um desfazimento generalizado das diversas camadas onde o Bolsonaro se sustenta e foi eleito. Até a ultradireita está começando a se aborrecer com a incapacidade dele de sustentar a agenda. Essas pessoas estão perdendo a confiança nele. E o Lula hoje é muito mais um espantalho, que no imaginário de um partido, imagina-se o seguinte: que a grande questão hoje é remover o Bolsonaro. Então quem parece mais viável para remover o Bolsonaro é o Lula. Neste caso, nós devemos engolir, devemos fechar os olhos, botar o dedo no nariz, e votar no Lula, porque tudo que importa é tirar o Bolsonaro. Ora, na medida em que o Bolsonaro vai, pesquisa depois de pesquisa, mostrando que será derrotado por qualquer um, a maioria do povo brasileiro não vai precisar votar à força em mim ou no Lula ou em quem quer que seja. E aí o debate deverá voltar para quem tem que ser. O que é que nós vamos fazer para resolver a mais grave crise social e econômica da história brasileira? Quem criou essa crise foi o PT. Foi o Lula, que impôs a Dilma, sem nenhuma experiência, que quebrou o país. O que o Bolsonaro fez foi agravar muito dramaticamente esse problema. Alguém pensando serenamente imagina que existiria um Bolsonaro se não fosse a imensa decepção que o PT produziu na economia, na corrupção e na política brasileira? Quem não for fanático sabe. Isso tudo vem à tona no debate. A terceira via, o que tem que fazer, é procurar o povo. Propor uma saída concreta, absoluta, mostrar para o povo o que aconteceu no Brasil, quando foi que aconteceu, quem foi o responsável e como nós vamos tirar o país dessa crise.
Você sugeriu que o ex-presidente Lula abrisse mão de disputar o Planalto na cabeça de chapa e ele reagiu. Isso inviabiliza uma aproximação futura do PDT com o PT e as esquerdas?
Olha, eu luto muito para que o país tenha uma ocasião de se reconciliar. E o Lula é um fator de ódio. Isso não é justo. Mas não dá para disfarçar. Imagina, vamos antecipar um pouco como é que vai ser a campanha. Isso vai começar a ser visível agora. Não vai precisar chegar a 2022. O Bolsonaro vai começar e a cada pesquisa o Lula vai mostrar que ganha dele no primeiro turno, que ganha folgado dele no segundo turno, o que é que vai acontecer? O Bolsonaro vai procurar avivar aquilo que deu vitória a ele e que derrotou o Haddad, qual é? O sentimento de frustração com o ex-petismo. Aí vem tudo. “Ah, quem está roubando é o seu filho, não, porque o PT é corrupto, não, corrupto é você”. E o país aguenta isso? Essa é a questão. O país aguenta? Então é um desserviço ao país a candidatura do Lula. O Lula devia sair da disputa eleitoral e se colocar com a responsabilidade de um ex-presidente que foi muito querido pelo povo em um discurso de unidade do país, reconciliação do Brasil. Não. É só oportunismo, é só molecagem, é só egoísmo, é só projeto pessoal. Então vamos enfrenta-lo. Vamos enfrenta-lo.
O diálogo com o Democratas fortalece o seu nome como de centro-direita? Uma chapa Ciro e Mandetta seria competitiva?
Nós não estamos nessa etapa ainda. O que eu acho, volto a te repetir em números, é que a situação brasileira é tão grave que nós precisamos, assim como foi lá atrás com a redemocratização de Tancredo Neves, que é o exemplo mais contemporâneo que a gente tem, a gente precisa estabelecer um entendimento nacional ao redor de uma agenda de salvação do país. E essa agenda não pode ser pequena. Ela tem que ser uma agenda grande. Ela não pode começar com a imposição de nome e nem com veto a nome de ninguém. Isso é o tom da conversa que eu estou tendo com vários quadros da vida brasileira, entre eles o ACM Neto, e tem muita convergência nesse diagnóstico. A partir daí, o seguinte, como é que é isso? É quem for mais viável, é quem tiver mais capacidade de mobilizar a população para construir uma alternativa fora do ódio, fora da radicalização mesquinha que despolitizou a vida brasileira, então. E eu me coloco. Então eu não veto ninguém e também não me imponho. E a grande questão é o programa. No mesmo sentido estou conversando com o DEM, e para nós não é difícil fazer. Acabamos de fazer uma aliança em Salvador, em que o meu partido indicou a vice, e ganhamos no primeiro turno. Isso é a base de uma aliança que o povo legitima. Estou conversando com o PSD, com o Kassab, e o prefeito de Belo Horizonte também nós apoiamos. E tem uma posição importante também que converge com essa ideia de construir. Estou conversando com o PSB, o partido que era de Eduardo Campos, estou conversando com a Rede, que é o partido da Marina, porque nossa responsabilidade é criar uma base política capaz de estabelecer a base por um projeto nacional de desenvolvimento que venha a responder a tragédia de terra arrasada que o Bolsonaro vai deixar para o próximo presidente do Brasil.